Neste capítulo contamos como usar dados para chamar a atenção para a injustiças e tecnologia para apoiar o fornecimento de plataformas de empoderamento para comunidades vulneráveis
Princípios: tempos que exigem reflexão e ação
A injustiça social e racial está, há séculos, profundamente enraizada nos mecanismos que governam a atividade política e econômica. Mas eventos recentes, como o impacto desproporcional da pandemia de covid-19 em comunidades marginalizadas e de baixa renda em todo o mundo e os assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor nos Estados Unidos, colocaram desigualdades de longa data sob os holofotes internacionais de uma forma sem precedentes. Isso nos forçou, como sociedade, como empresa e como pessoas, a perguntar que papel estamos desempenhando na perpetuação das desigualdades, e que medidas podemos tomar para enfrentá-las?
Nossa resposta a essas perguntas começa com a nossa fundação: construir e fortalecer uma cultura de consciência e empatia que reconheça essas dinâmicas. Internamente, deixamos claro que a igualdade racial é um requisito organizacional e cultural, não um problema a ser resolvido; e que a igualdade deve ser manifestada em oportunidades de crescimento profissional, assim como em representação.
Externamente, estreitamos as relações com movimentos sociais, enfatizando nossa parceria e colaboração para aprender onde podemos, como tecnologistas, criar maior impacto. Nossas parcerias têm possibilitado projetos para enfrentar a má conduta policial e proteger os direitos de trabalhadoras domésticas, assim como apoiar a educação para todas as pessoas - para citar apenas alguns exemplos. Acima de tudo, reconhecemos que sempre haverá mais a fazer para contribuir para a transformação - e mais vozes que merecem ser ouvidas.
Quando falamos de transformação social, não nos referimos a nós. Não definimos metas específicas e, em seguida, procuramos parcerias para nos ajudar a alcançá-las. Nós atuamos a serviço das parcerias e seus movimentos. Tentamos entender a partir de uma perspectiva sistêmica onde a Thoughtworks pode realmente criar o maior impacto e ter conversas muito diretas e honestas sobre isso. Os processos inclusivos levam muito mais tempo. Mas eles abrangem mais pessoas, o que os fortalece.
Na prática
Os exemplos a seguir do nosso trabalho em justiça racial e social refletem nosso foco global e nossa crença de que a luta deve ser liderada pelas pessoas e comunidades afetadas. Vemos nosso papel como uma fornecedora de ferramentas de tecnologia para essas comunidades no intuito de apoiá-las a informar e construir suas redes, além de amplificar os apelos por transformação.
Enfrentando a injustiça racial nos Estados Unidos
O ressurgimento do Black Lives Matter (BLM) e outros protestos pelos direitos civis nos Estados Unidos, desencadeados por recentes atos de violência policial, mas com raízes em uma longa história de opressão, levou a um profundo debate na Thoughtworks na América do Norte. Muitas vozes exigiram, com razão, que façamos mais para apoiar nosso próprio povo e as comunidades negras, pardas e de raças não brancas em geral.
Trabalhar com justiça racial não é algo novo para nós. Desde 2011, construímos redes internas e com organizações externas, como Black Girls Code e Hands Up United, para desenvolver habilidades tecnológicas e oportunidades de carreira para jovens negros. No entanto, em 2020, redobramos os esforços para ouvir e agir, reunindo centenas de pessoas da nossa equipe em toda a América do Norte para conversas francas sobre o enfrentamento das injustiças sistêmicas.
Nosso foco está em como podemos apoiar nosso povo e causar um impacto positivo nas comunidades negras, pardas e racializadas em geral. Cada Thoughtworker deve se sentir parte da comunidade. Nosso ambiente é inclusivo, respeitoso e preserva a dignidade. Também enfatizamos a equidade de representatividade e oportunidades. Diversidades nas organização é ótimo, mas garantir que todas as pessoas possam progredir é outra questão. É nosso dever derrubar barreiras e fornecer ferramentas e recursos que garantam que todas as pessoas possam adquirir as habilidades e a experiência necessárias para alcançar seus objetivos.
Nosso foco está em como podemos apoiar nosso povo e causar um impacto positivo nas comunidades negras, pardas e racializadas em geral. Cada Thoughtworker deve se sentir parte da comunidade. Nosso ambiente é inclusivo, respeitoso e preserva a dignidade. Também enfatizamos a equidade de representatividade e oportunidades. Diversidades nas organização é ótimo, mas garantir que todas as pessoas possam progredir é outra questão. É nosso dever derrubar barreiras e fornecer ferramentas e recursos que garantam que todas as pessoas possam adquirir as habilidades e a experiência necessárias para alcançar seus objetivos.
Muitas das ideias desses encontros estão agora sendo postas em prática, incluindo melhorar nossa própria infraestrutura de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) para remover barreiras não intencionais para o avanço e estabelecer um grupo de trabalho sobre justiça racial, que forneça orientação sobre o apoio a movimentos locais antirracistas. Além disso, estamos fortalecendo nossas parcerias com organizações que trabalham pela igualdade racial. Continuaremos a fortalecer esses trabalhos nos próximos meses, independentemente de como os holofotes da mídia mudem.
Caminhos para a tecnologia para as primeiras nações da Austrália
As enormes disparidades em aspectos como condição de vida, oportunidades econômicas e justiça entre pessoas brancas e indígenas na Austrália também são extremamente evidentes no setor de tecnologia. Segundo a maioria das estimativas, existem menos de 100 aborígenas e habitantes da região das ilhas de Torres Strait na indústria de tecnologia na Austrália, apesar desses grupos representarem 3% da população.
No final de 2019, tendo como inspiração discussões com organizações que defendem causas indígenas, assim como por iniciativas bem sucedidas de colegas na Índia e no Brasil, intensificamos nossos esforços para corrigir esse desequilíbrio. Nós criamos um centro de entrega das Primeiras Nações, composto por, pelo menos, 50% de tecnologistas aboríginas habitantes das ilhas Torres Strait, dedicado à criação de software para nossa base de clientes.
O centro atua a partir de dois princípios. O primeiro é que ‘o problema não são as outras pessoas, somos nós’ - o que significa que nossa organização tem que aprender a apoiar, da melhor forma, a cultura, as aspirações e as formas distintas de aprendizagem e comunicação de tecnologistas indígenas, e não o contrário. Um exemplo é o nosso objetivo de manter o centro distribuído, o que nos permite oferecer opções de carreira para aborígenas e ilhéus de Torres Strait que preferem viver no campo ou nas proximidades – queem muitos casos é a terra natal rural de ancestrais. Nós nos esforçamos para oferecer uma trajetória completa de desenvolvimento de carreira, em alguns casos começando com estágios por meio do programa nacional CareerTrackers para jovens indígenas.
Pude usar o estágio para reforçar meu amor pela tecnologia, sabendo, sem sombra de dúvida, que era apaixonado por construir software como forma de viver e que a paixão pela tecnologia pode ser aliada à justiça social e econômica. Desde que comecei oficialmente na Thoughtworks, em janeiro de 2017, trabalhei em uma série de projetos em muitas indústrias, fortalecendo minhas competências essenciais como engenheiro e consultor para construir um software melhor e socialmente justo.
Pude usar o estágio para reforçar meu amor pela tecnologia, sabendo, sem sombra de dúvida, que era apaixonado por construir software como forma de viver e que a paixão pela tecnologia pode ser aliada à justiça social e econômica. Desde que comecei oficialmente na Thoughtworks, em janeiro de 2017, trabalhei em uma série de projetos em muitas indústrias, fortalecendo minhas competências essenciais como engenheiro e consultor para construir um software melhor e socialmente justo.
O segundo princípio do centro é que ele não é uma instituição de caridade ou projeto de responsabilidade social corporativa, mas sim parte integrante do nosso negócio local, trabalhando com o mesmo foco de melhoria constante e entrega consistente de software de qualidade a clientes, como em outras áreas do negócio. O centro já produziu um portal de perfil de cliente altamente integrado e responsivo para uma das principais redes varejistas da Austrália e será uma parte essencial de nossa oferta a base de clientes no país no futuro.
Canalizando dados para aumentar a responsabilização da polícia
Embora o assassinato de George Floyd tenha chamado a atenção nacional e global para a questão da violência policial, há um legado de má conduta policial nos Estados Unidos que remonta há décadas, cujas vítimas muitas vezes passam despercebidas.
Com base em nossa experiência de que os dados podem chamar a atenção para problemas anteriormente negligenciados, temos colaborado estreitamente, durante anos, com o Invisible Institute, com sede em Chicago, para apoiar seu Citizens Police Data Project (CPDP). Esse trabalho de facilitar o relato, a visualização e a ação em relação a condutas impróprias, agora, continua com a Public Data Works, uma organização que leva ferramentas de responsabilidade centradas em dados para outras cidades.
Começando com o Independent Police Monitor da cidade de New Orleans, trabalhamos com a Public Data Works para avaliar as necessidades da agência para coletar, monitorar e relatar, da melhor maneira, a má conduta policial. Esse trabalho inicial deixou claro que uma ferramenta robusta de coleta de dados deve ser uma prioridade. Nós compreendemos que o Monitor não tinha capacidade para lidar com queixas e, muitas vezes, as pessoas relutavam em apresentar reclamações diretamente à polícia. Portanto, disponibilizar uma forma de ajudar a sociedade a relatar as queixas a um órgão independente era essencial.
O projeto resultou em um sistema de gestão de casos que agiliza o processo de denúncia e também fornece análises e avaliações que apresentam, com precisão, os padrões de comportamento de agentes policiais. Isso significa que as comunidades afetadas pelo comportamento policial negativo passaram a fornecer, a agências de supervisão e regulação e à população, as informações necessárias para responsabilizar os departamentos de polícia e defender mudanças.
Empoderando trabalhadoras domésticas da América do Sul para reivindicar seus direitos
Na América do Sul, assim como em outras partes do mundo, as trabalhadoras domésticas enfrentam ambientes de trabalho desafiadores e, às vezes, perigosos. No Equador, estima-se que 80% das mulheres que desempenham essa função já enfrentaram violência ou assédio no trabalho (1). No Brasil, onde as mulheres negras ocupam a maior parte dessas funções, apenas cerca de um terço possui carteira de trabalho assinada. Frequentemente, essas questões estão relacionadas à falta de compreensão sobre direitos legais e sobre as vias de recurso disponíveis quando houver violação.
Em coordenação direta com associações de trabalhadoras e sindicatos, nossos times desenvolveram soluções destinadas a preencher essas lacunas. Em Quito, no Equador, nosso Laboratório de Transformação Social ajudou a criar um aplicativo que fornece aconselhamento jurídico e suporte para trabalhadoras domésticas. Colaboramos estreitamente com o Sindicato Nacional de Trabalhadoras Domésticas Profissionais para garantir que o produto (2) refletisse as preocupações que originaram sua criação, oferecendo suporte e sendo acessível também a pessoas com habilidades técnicas limitadas. A aceitação da versão inicial do aplicativo tem sido positiva e estamos convencidos de que ele tem potencial para ajudar dezenas de milhares de mulheres em todo o país.
Uma abordagem colaborativa similar foi adotada no Brasil, onde nos engajamos em um esforço pro bono para atualizar a infraestrutura de tecnologia e o site da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). O principal objetivo do projeto foi remodelar o site para ser o mais intuitivo e informativo possível para quem depende dele como um recurso. Com base em conversas com as profissionais, foram feitas mudanças para dar mais visibilidade e acessibilidade aos recursos de treinamento e de educação, além de dar destaque ao conteúdo sobre a luta histórica das trabalhadoras domésticas no país.
Educação para todas as pessoas
(1)https://www.care.org.ec/wp-content/uploads/2021/02/RESUMEN-TRH.pdf
(2)The app is called TR UNIDAS and is available here