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Nasceram para isso: Como surgiu a imagem de desenvolvedores de software

O estereótipo de programadores homens, brancos, socialmente desajeitados existe há muito tempo.  De onde vem essa imagem? Os dados demográficos da população de pessoas programadoras do mundo de fato evoluíram naturalmente, porque “garotos apenas gostam mais de computadores?” O que moldou nossa percepção de programadores? Esse texto trata sobre possíveis explicações que encontrei ao ler sobre a história da computação.

O texto abaixo foi publicado originalmente em martinfowler.com.​

Programadores

Nathan Ensmenger é professor na Indiana University (Universidade de Indiana) que se especializou nos aspectos sociais e históricos de computação.  No livro  “The Computer Boys Take Over”, ele explora as origens da nossa profissão, e como programadores foram inicialmente contratados e treinados.

O título do livro é uma referência a onde tudo começou... com o “Computer Girls”. As mulheres programaram o ENIAC, um dos primeiros eletrônicos, de uso geral, computadores digitais, que são amplamente considerados as primeiras programadoras, na década de 1940. Na época, a palavra “programador” ou o conceito de um programa, nem existia ainda.

Essa entrevista com Jean Bartik do Museu da História do Computador (Computer History Museum) proporciona um vislumbre na forma que Jean e seus colegas abordaram à ocupação. Ela descreve como esses primeiros programadoras já valorizaram a relevância da programação pareada, um conceito que levou mais de 50 anos (e o livro de Kent Beck’ ”Extreme Programming” para ser nomeado:

“Eu e Betty Snyder, fomos um par desde o começo” E eu acredito que foi a melhor criação e tudo aquilo feito em pares porque você pode corrigir um ao outro, achar os erros e usar as melhores ideias”.

The ENIAC women at work (Wikimedia Commons)
[The ENIAC women at work (Mulheres no trabalho), Wikimedia Commons]

O “ajuste” de computadores era um processo mecânico na época, era visto como artesanal e mecânico, ao contrário de científico e intelectual. Ninguém prestava muita atenção para softwares, a maior parte do foco estava em hardwares.

Mas acabou que o desafio de desenvolvimento de softwares foi dolorosamente subestimado - logo descobriram que programação era difícil, sujeita à erros.

Nascido, não criado

Foi duro para as empresas de TI dos anos 50 e 60 descobrirem quais habilidades eram necessárias para essa profissão totalmente nova. Elas precisavam que as pessoas programadoras fossem excelentes, porque estavam sofrendo com a quantidade de erros. Ao mesmo tempo, elas não tinham nenhuma ideia formada sobre o conjunto de competências necessárias. Empresas começaram a pensar que pessoas programadoras tinham que nascer e “não ser criadas” e que programação era uma “Arte Obscura”. Como recrutar pessoas para uma profissão assim, quando ao mesmo tempo a demanda crescia rapidamente?

Uma abordagem que os grandes empresários da indústria tomaram na época para identificar e recrutar programadores foram testes de aptidão para filtrar as características consideradas essenciais para uma boa programação, como o pensamento lógico e o raciocínio abstrato. Só em 1967, 700.000 pessoas fizeram o teste da IBM “Teste de Aptidão do Programador”, que era basicamente na época a porta de entrada para a profissão de programador.

Mas esses testes de aptidão não eram o suficiente para alguns, entre eles a SDC, empresa contratada nos anos 50 pela IBM para trabalhar em um dos maiores projetos de software da época, o SAGE. A SDC alega que “treinou o setor”, ao contratar milhares de programadores no final dos anos 50 e no começo dos anos 60.

A empresa designou dois psicólogos, William M. Cannon e Dallas K. Perry, para definir uma  “escala de interesse vocacional” para pessoas programadoas, um perfil de personalidade que previa que tipo de pessoas tinham boa chance de se tornarem programadores felizes. O artigo de Cannon e Perry, publicado em 1966, concluiu que programadores “são loucos por enigmas e tendem a gostar de aplicações de pesquisa e tomada de risco” No geral, o perfil era bem parecido com outros trabalhos rotineiros de escritório, a não ser por uma característica marcante: Eles decidiram que programadores “não gostam de gente”.​

Uma profecia autorrealizável

Então, vamos recapitular:

700.000 pessoas fizeram o mesmo teste para determinar se poderiam se tornar programadoras aptos.

A empresa que “treinou o setor” escolheu seus funcionários com base em um modelo que incluía “desinteresse pelas pessoas”.

Conclusão de Ensmenger:

“O principal mecanismo de seleção usado pela indústria selecionou homens anti-sociais e inclinados à matemática e, portanto, homens anti-sociais e inclinados à matemática ganharam uma representatividade exagerada entre a população de pessoas programadoras. Isso, por sua vez, reforçou a percepção popular de que os programadores deveriam ser homens, anti-sociais e inclinados à matemática, e assim por diante.”

Se você observar qual é o estereótipo de um programador típico hoje, 50 anos depois, o Ensmenger apresenta um argumento muito convincente. Ainda esperamos que “programadores de verdade” sejam assim? E, pior ainda, por outro lado, estamos suspeitando de pessoas que não combinam com essa imagem de não serem “programadoras de verdade”?

Um único modelo para identificar potenciais programadores

No livro altamente recomendável “Unlocking the Clubhouse,” a dupla Jane Margolis e Allan Fisher descreveu uma troca de e-mail entre um professor e uma professora do ensino médio. O professor está escrevendo “ainda não encontrei uma garota assim”, referindo-se a uma garota que adora computadores e quer programar a noite toda. Sua colega afirma que essa afirmação é um equívoco. As meninas podem simplesmente mostrar seu amor por computadores e ciências de forma muito diferente.

“Se estivermos usando um único modelo para identificar pessoas programadoras em potencial, perderemos muitas alunas com potencial.”

Estamos procurando por “paixão” por computadores apenas em alguns lugares? Digamos que você acredite que as pessoas realmente “nasceram para a TI”, com uma grande aptidão e inclinação para programar e trabalhar com computadores em geral — se pais, educadores, influenciadores e a sociedade em geral ensinam e transmitem uma imagem muito específica do que são os programadores, muitas dessas pessoas podem nem mesmo descobrir essa aptidão.

Let’s break the cycle!

Auto-seleção

Qual é a “escala de interesse profissional” na sua mente? Como isso afeta a maneira como você entrevista e escolhe pessoas para empregos de desenvolvimento de software? Como você descreve para outras pessoas como é o nosso trabalho? Como nós contribuímos para a perpetuação da imagem do programador, todos os dias?

Algo que sempre me perguntei foi por que a maioria dos programadores parece gostar de ficção científica e fantasia (inclusive eu). Na verdade, pensei que deveria haver uma correlação. Agora estou finalmente começando a suspeitar que não existe um vínculo natural, é tudo apenas auto-seleção!

Não pense que o status quo é "simplesmente natural". E não deixe alguns homens dos anos 60 ainda determinarem quem somos. Vamos quebrar o ciclo de contratação hoje e continuamente.

Aviso: As afirmações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de quem o assina, e não necessariamente refletem as posições da Thoughtworks.

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