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Por mais Amazônidas à frente das narrativas tecnológicas em nosso território

Por mais Amazônidas à frente das narrativas tecnológicas em nosso território

Por toda a minha jornada de estudos sobre inovação, futurismo, feminismo, educação (entre outros milhares de assuntos) algumas frases aparecem como um sussurro em tudo o que faço.

 

Convido você a me acompanhar em algumas reflexões que essas frases reverberaram em mim.

 

Quem controla os sonhos, controla o futuro
Monika Bielskyte

 

A primeira vez que a tive contato com essa frase foi em um curso de Design de Futuros Desejáveis na Echos, Escola de Design. Para mim foi uma experiência incrível poder pensar o futuro a partir de outros vieses: o da intenção, o da inspiração e o do entendimento de que todos nós construímos o futuro a todo momento, a partir de nossas escolhas e interações. Parece algo meio óbvio, mas é incrível como podemos esquecer disso, em nosso cotidiano.

 

Durante uma das tarefas do curso, entrevistei uma grande amiga, Cientista de Dados — mulher negra e nortista que hoje mora em São Paulo — para entender quais os rumos da tecnologia, com relação as lutas feministas, e ela trouxe uma provocação que faz companhia à que abriu este artigo:

 

Hoje quem produz tecnologia não são mulheres, muito menos mulheres negras e, menos ainda, mulheres negras do norte do país. Mesmo em aplicativos criados para solucionar questões sociais, a sua base foi idealizada e construída por um tipo muito específico e homogêneo de pessoas.

 

Para ilustrar o argumento, ela me enviou o relatório: Estatísticas do Ensino Superior em Computação, de 2018, realizado pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC), que apresenta um acompanhamento de cursos de graduação da área de computação (abrangendo os cursos de bacharelado em Ciência da Computação, em Sistemas de Informação,em Engenharia de Computação, em Engenharia de Software e de licenciatura em Computação) no país.

 

O gráfico a seguir mostra o total de cursos criados no país (entre 1985 a 2018), separados por regiões:

 

Fonte: Sociedade Brasileira de Computação 2018

A quantidade de cursos da área de computação, criados na região Norte desde 1969, é ínfima se comparada a outras regiões do país.

 

Analisando o número de profissionais da área de computação, que foram formados nos últimos anos por região, observa-se que em 2018, por exemplo, enquanto a região Norte INTEIRA formou menos de duas mil pessoas nessa especialidade, somente a região sudeste formou cerca de 30 mil.

 

Fonte: Sociedade Brasileira de Computação 2018

E dos 1955 profissionais, que se formaram em 2018 em TODA a região Norte, apenas 352 eram mulheres:

Fonte: Sociedade Brasileira de Computação 2018

 

Se você não tem oportunidade, você é invisível.
Viola Davis

 

Tomando a liberdade poética e fazendo um salto temporal nesta narrativa, a segunda frase foi dita por Viola Davis em um evento recente. O contexto desse “soco no estômago” foi para destacar a impossibilidade de uma atriz negra ganhar um Oscar, ou qualquer outra premiação, se ela não tiver oportunidade de atuar em papéis à altura dessas premiações.

 

Podemos ser extremamente inteligentes, capazes, inovadoras, mas se não tivermos oportunidade de expressar autenticamente quem somos, em um ambiente no qual seja possível errar e aprender, as barreiras que nos impedem, de desenvolver plenamente nossas potencialidades, só aumenta.

 

Mulheres negras transformam a ancestralidade em inovação.
Indique uma preta e Box1824

 

Semanas depois, vi a live de lançamento da última pesquisa da empresa Box 1824 em parceria com a ONG Indique uma Preta, sobre a realidade da mulher negra no mercado de trabalho (recomendo que todas as pessoas assistam à live e vejam o resumo da pesquisa) onde está a terceira frase que destaco nessa reflexão.

 

O que mais me chamou atenção, na pesquisa, foi o foco nas “potencialidades que mulheres negras constroem quando transformam a ancestralidade em inovação”. Esta pesquisa aponta que políticas afirmativas de inclusão e diversidades não são ações de caridade: as empresas e nossa sociedade precisam de diversidade (ainda que a maioria feche os olhos para essa realidade) seja para se adaptar ao tempo de mudanças constantes em que vivemos, seja para garantir a habitabilidade de nosso planeta.

 

Olhando para essas frases que chegaram a mim, em momentos diversos, eu faço as seguintes interpretações, com foco em especial nas mulheres da Amazônia:



1) Quem controla os sonhos, controla o futuro.

 

É impossível sonhar com algo que nem sabemos que existe, portanto nosso poder de transformar a realidade fica extremamente limitado se não temos acesso ao conhecimento tecnológico, mas isso também não é suficiente. Precisamos saber que existe, ter acesso, condições de poder construir nossas próprias narrativas e, especialmente, precisamos ter o poder de escolher o caminho para chegar ao futuro que queremos.

 

 

2) Se você não tem oportunidade, você é invisível.

 

Quantos projetos incríveis conhecemos, de inovação na Amazônia, que simplesmente morrem porque não tem apoio, verba ou vontade política para que sejamos verdadeiramente uma sociedade inovadora? E por inovação não destaco somente softwares, tecnologia, etc, e sim o que vem antes do hardware: ideias, pensamentos, teorias, ou seja, o que permitiria estar à frente do nosso tempo.

 

Além de não termos oportunidades, toda a história da Amazônia, ligada a pioneirismo e inovação, é intencionalmente apagada.

 

 

3) Mulheres negras transformam a ancestralidade em inovação.

 

Essa frase me pegou visceralmente, por todo o trabalho em inovação social que realizei nos últimos anos e os inúmeros projetos que conheci, em especial aquelas de apoio às mulheres — seja de economia solidária ou de democratização da tecnologia. Iniciativas essas que são movidas por paixão e prestam um enorme bem à sociedade, a maioria lideradas por mulheres e que, mesmo sem visibilidade ou um significativo apoio, realizam transformações formidáveis.

 

Em todas elas eu vejo um potencial disruptivo muito maior do que em espaços dedicados à tecnologia e inovação, onde a diversidade é praticamente inexistente.

 

 

Meu convite final é para a reflexão sobre as perguntas a seguir:

 

 

Quem controla o seu futuro, quem diz para você até onde é seguro sonhar?

 

 

A quais oportunidades de transformar a sociedade nós realmente temos acesso?

 

 

E o mais importante: quem são as mulheres negras que revolucionam a nossa sociedade?

 

 

Se você é ou conhece uma mulher revolucionária da Amazônia (de nascimento ou de coração), manifeste-se! Está mais do que na hora de nos conhecermos, fortalecermos e construirmos um futuro desejável para a Amazônia, feito por nós e para as nossas.

Aviso: As afirmações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de quem o assina, e não necessariamente refletem as posições da Thoughtworks.